segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Merda.

Não sei se por exigência absurda, por comodismo ou por qualquer outra coisa, eu não consigo escrever algo novo.

Tenho tentado, mas não tem acontecido naturalmente... Talvez meu processo de criação tenha mudado e eu nem percebi! Geralmente eu imagino um sentimento ou uma imagem e desenvolvo tudo a partir disso, mas não sei... Tudo tem sido uma grande merda ultimamente.

Talvez eu esteja com preguiça de pensar, ou talvez eu não esteja precisando fazer isso. Enfim, é angustiante. Mas quem sabe a própria angústia não me tira desse buraco?

Desculpa, gente!

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Horóscopo.

Touro - Será morto numa arena a troco de nada.

Aquário - Você é bom em tudo, mas todos os seus negócios irão falir. Sua vida social é invejável, mas sua capacidade emocional para lidar com isso é nula.

Peixes - Seu único desígino é viver confinado em aquário. Sua vida é ruim.

Áries - Ninguém sabe o que PORRAS é um áries até hoje. É um bode, um carneiro? Que signo de merda... francamente.

Leão - Você realmente se acha melhor que eu, não é isso?

Capricórnio - Cornos Caprinos. Hilário.

Libra - Você tenta manter um absoluto equilíbrio em todo o universo. A óbvia falha em tal tarefa o levará ao suicídio, mas seus órgãos serão repartidos da maneira mais simétrica possível entre diversos hospitais.

Gêmeos - TUDO em você é duplo e dúbio. É realmente impossível tomar qualquer tipo de decisão sem que uma parte de você - que é sua antítese completa - se oponha brutalmente, tudo isso por causa de uma lógica fajuta baseada num nome.

Sagitário - Quirão sentir-se-ia envergonhado por sua existência mesquinha.

Escorpião - Você vai vender cocaína, cuidar de suas prostitutas e escutar funk no morro. Perdão, eu me confundi. Isso só vale pra quem tem uma tatuagem de escorpião, de preferência na mão.

Virgem - Boca.

Câncer - Você vai ter câncer.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A frase mais genial que eu já escrevi.

ELES DEVEM TER UM CU EM CADA DEDO DA MÃO PRA ESCREVER TANTA MERDA ASSIM!

Sobre os poetas góticos do Orkut.

Post descontraído para amenizar a temporada de seriedades que vão aparecer por aqui.

quinta-feira, 7 de agosto de 2008

Adiante! Ao abate.

Aos derrotados, lantejoulas e as carnes dos que tiveram êxito. Uma fanfarra com motivos deturpados? Pois sim! O ângulo torto das coisas sempre parece ser o melhor que elas têm para oferecer. Há que se apreciar o charme dos que não conseguiram, que ficaram para trás, sentir o gosto das suas lágrimas ridículas, musicar seus infortúnios e pintar o fracasso dos seus sonhos.

Não há massagem melhor para os pés cansados que pisotear o lombo macio dos vencedores, otimistas, sortudos e apaixonados. O pódio e o trono tornaram-se obsoletos, meus doces suínos; vamos ao açougue, nosso palácio de desordem e sujeira. Vamos fazer pouco caso dos louros tão estimados pelos campeões e usá-los como tempero. É fingindo o existir da desgraça do outro que a nossa se torna mais amena.

Que circo... Enquanto pensávamos que a tinta havia manchado nossa face bela e distante, mal percebemos que estávamos sujando a nós mesmos. Comemorem às avessas, só assim fazemos algum sentido.

segunda-feira, 7 de julho de 2008

Gótico e pútrido.

Pútrido. TUDO no meu corpo é pútrido
Nos puns que solto, vejo minha imagem
Gaseificada e fétida, ela me diz segredos
Que eu até animava de contar
Mas eu meio que esqueci

Depois de muitos flatos fatais
Sucumbi perante o desprendimento
Desfiz-me de mim, da minha mãe
E até mesmo daquela gorda da sua mãe

Odeio minha família... Não acredito em deus
Gosto de cemitérios, do frio...
Com puns, minhas nádegas se esquentam...
Mas o gelo da morte é constante...

Sua mãe é realmente muito gorda...







Nui...

sábado, 21 de junho de 2008

Post Mortem.

Até mesmo as coisas mortas sentem vergonha quando seus túmulos têm epitáfios mal redigidos. Nobres, gentis, estóicos, elegantes; todos estão à mercê do ridículo que é ter a memória desonrada. Não há humilhação maior do que ser alvo de tamanha ofensa sem ao menos ter a possibilidade da resposta.

Pois sumam, mortos.

Enterre fundo aquilo que pode viver. Enterre antes mesmo que finde a vida. Não escolha um solo sagrado, não preste homenagens, não sinalize o local, não deixa nada ser reaproveitado. Guarde as preces para algo que não seja uma casca podre, ou faça uma oração para que o invólucro vazio não conheça outra vida além da que já teve. Não há de sobrar pó algum, tampouco lembrança.

Depois disso, caminhe como os que renegaram a memória, a morte e o passado. Olhos fixos no que vem adiante, passos que não conhecem meia volta nem produzem pegadas e suspiros de desprezo para os que teimam em despender talento e alma na inútil tarefa de redigir bons epitáfios.

Seis.

Na luz se revela
Tal qual um esboço opaco
A sombra mais bela

Três.

Breve e leve brisa
Vem e avisa se ela
Sabe ou quer voltar

terça-feira, 3 de junho de 2008

Releitura de How Soon Is Now - The Smiths.

Sou o filho único
E o herdeiro
De uma timidez mal-construída
Sou um fingido e herdeiro
De nada interessante

Cale minha boca
Para que eu nada diga
Sobre a minha inaptidão para qualquer coisa real
Sou humano e preciso de compaixão
Bem como os piores da espécie

Há uma boate que eu frequento
É lá que despejo minhas frustrações e renda
Apresento minha pequena peça
Recebo um aplauso solitário
Digo que não conheço o amor
E depois clamo por uma morte fácil

Veja, quando digo que é agora
Quero dizer que nunca será
Para os vazios não existe a espera
Apenas o prolongar da carne

Cale sua boca
E não diga nada
Sobre minha mágoa simulada
Sou humano e preciso trepar
Bem como qualquer um da espécie

-----------------//-----------------

http://www.davemcnally.com/lyrics/TheSmiths/HOWSOONISNOW.asp --> Letra original.

Essa música é o hino dos que banalizam a tristeza e fazem dela um veículo para realizar qualquer desejo menor e pouco importante. O cântico dos bebês presos em corpos adultos.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Sublime.

Um deles disse:

- É uma pena que tenhamos que sublimar nossa genialidade para encontrar refúgio nas carnes de uma mulher.

O outro respondeu:

- Penetre-as; não sentirão falta de sua poesia.

E assim foi feito. Foram penetradas repetidas vezes. Não havia voz ou cheiro que fosse real, nem mesmo o toque. Elas quedavam satisfeitas - ou quase, talvez faltasse um cigarro - e se deixavam levar pelo sono. No dia seguinte, viviam perfeitamente bem sem a poesia ou a genialidade. A rola era o bastante.

Notícias.

Resolvi tentar fazer ao menos uma atualização por semana. Pretendo aumentar a frequência eventualmente, mas por enquanto é isso. Não é bom criar contra o relógio, mas adversidades, mesmo as fabricadas, são edificantes.

domingo, 25 de maio de 2008

Nó.

Acontece quando uma coisa é outra e depois volta a ser ela mesma, aquela primeira. Algo que se disfarça de metáfora e espera ser decifrado só para revelar que, durante todo o tempo, era exatamente o que estava escrito.

A coisa em questão é tão múltipla que não pode ser apontada ou definida. Esquenta, baixa a pressão sanguínea e induz movimentos incertos, involuntários.

Num tal momento, o nó vira um linha sem avisar. Quem sabe? Talvez tudo isso tenha sido um corda disfarçada.

terça-feira, 20 de maio de 2008

Para os leitores.

Não se esqueçam de comentar sobre os posts. Caso o problema não seja a memória, deixem a preguiça de lado e dêem seu pitaco. Lembrem-se: cada comentário é um sorriso a mais no meu rosto, ou uma lágrima caso você não goste de mim.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

Rascunhos.

Pela atual profusão de rascunhos que se acumulam e não se transformam em nada, resolvi escrever isto.

pintocubucetaalergialeiziuh4xstreetfighterlágrimaspretensãoanatomiahelicóptero
metáforaanarquialulatebasamizaderascunhomoçadecapitaçãomedoalegriasacanagem
qualquermerdacrucifixo.

Dizem que existe método, mas só o caos me foi apresentado. Em surtos de desconforto, iluminação ou qualquer outra coisa incomum - que pode muito bem ser corriqueira - surge algo além de uma névoa intangível e invisível. Pelo bem da acuidade intelectual referente ao assunto, faço uma correção; nos momentos incomuns/corriqueiros é possível extrair algo mais sólido dessa névoa sempre presente e emprestar um corpo de palavras à idéia, tornando-a visível e tangível.

Pelo bem da prolixidade, não apago a frase que julguei pouco precisa e ainda adiciono este parágrafo completamente desnecessário. Para os incautos, apressados, imbecis e ingênuos, devo informar que a prolixidade é subestimada. Ela é vista como um exagero ou um desespero incontido dos que não sabem se expressar, mas na verdade é um exercício de perfeccionismo verbal (seja o verbo escrito ou falado, mas principalmente escrito) praticado pelos mais humildes usuários da língua, aqueles que admitem não saber tudo o tempo inteiro. É na repetição que aparecem detalhes e sutilezas especialistas em escapar da percepção chamada talento. Um prêmio para os esforçados, pode-se dizer.

Talvez seja ousadia, daquelas ousadias bem bobas, mas afirmo que não haveria rascunho sem a prolixidade e que não há obra completa sem tentativa. Isto já ficou grande demais para algo que só tenta ser. Fim abrupto.

quarta-feira, 14 de maio de 2008

A Rua.

Entre os postes, o dedo mindinho.
Entre as árvores, o dedão.
Entre os semáforos, os três restantes.
Entre os ônibus, a panturrilha.
Entre os carros, o tendão atrás do joelho.
Entre as pessoas, o quadril
Entre as mulheres, um estalo.

Tudo num compasso marcado pelo nada ou pela falta do que fazer. Uma maneira fácil de ignorar as ruas.

Contexto.

Depois de muito olhar seus próprios pesadelos, se viu num deles. Era como um espelho refletindo algo que não quer ser visto.

sexta-feira, 9 de maio de 2008

Riquíssimo.

Herdou do pai a fortuna e o gosto pela natação aos domingos. Achava que a morosidade do dia combinava bem com a lentidão dos movimentos na piscina. Trajando uma sunga mínima com estampa zebrada, ele se lançava ao líquido branco e viscoso. Era pouco prático e caro manter tantos empregados produzindo aquela quantidade obscena de sêmem, mas valia a pena; a facilidade de flutuar, o cheiro e o colorido eram soberbos. Depois de muito mergulhar, corria como uma criança. Esbarrava nos corpos atléticos dos seus empregados ao som das suas próprias gargalhadas agudas, tateava-os até encontrar um membro invariavelmente avantajado e rijo. Emulando uma voz infantil, sussurrava:

-Neném quer mamar agora.

E se fartava com toda aquela carne em sua boca. Quando se cansava, distribuía alguns beijos lentos e pouco interessados, típicos dos esnobes que agem em nome do glamour visto em qualquer coisa que seja. Com um estalo de dedos, um pequeno garoto ruivo aparecia para lamber seus olhos, devolver a luz e recobrar a visão. Magnífico! Duas piruetas antes da sauna.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

As Entradas.

Primeira porta. Eliminam-se os dejetos do corpo. Lava-se o rosto.

Segunda porta. Ficam para trás o conforto, a familiaridade, a cama.

Terceira porta. Colegas, responsabilidades. A entrada útil, social. Por ela também entra o sustento, um dos vários sinônimos para a palavra dinheiro.

Quarta porta. Mais dejetos, mas diferente da segunda.

Quinta porta. O começo da irresponsabilidade, um dos poucos sinônimos para a palavra liberdade. Estranhamente, é a mesma que a terceira; uma questão de direção.

Sexta porta. A carteira fica um pouco mais leve. Ausência de luz, trailers, roteiro ruim. Algumas horas de sono pago.

A sétima porta deveria ser a da volta ao conforto, a última do dia, mas um homem entediado pode acabar abrindo mais algumas.

Sétima porta. Nada até então fora exatamente bom, então esta acabou sendo a da bebida, do cigarro e da resignação.

Oitava porta. Esta parecia se mover, mas era a sétima. Uma questão de abuso.

Nona porta. A do carro. Com a perspectiva de abrir e fechar todas novamente no dia seguinte, chega-se à conclusão que é melhor terminar tarde do que tarde demais.

No intervalo físico entre a nona e a décima havia um pedestre. Apressado, míope ou embriagado; não era possível definir. O fato é que o defunto parecia-se com uma chave.

Décima porta. Grades, companheiros, dejetos e resignação. Outras tantas que deveriam vir acabaram ficando fechadas.

Décima primeira porta. Foi aberta depois de alguns anos. Inutilmente pomposa e confortável. Horizontal em relação ao chão.

sábado, 3 de maio de 2008

imsl.

Uma noite ruim ou outra. Sonos perdidos, sonhos perdidos. Aquele desespero que fere durante o crepúsculo e foge quando vem a alvorada. Uma culpa que, em primeira análise, não deveria ser sua, não, não pode ser. E o não é repetido até que o suadouro, a aflição e a angústia venham e tomem seu valor, sua verdade.

Recomponha-se. De pé. Lave o rosto, dê alguns tapas na cara se preciso for. O sono ainda se perde em você. Mal dá pra perceber, mas o olho direito se abre - o esquerdo está preso ao travesseiro e a outras visões - e enxerga um quê de real. O móvel com livros espalhados, o chão, a luz se fecha novamente. Agora são as cores as palavras a ferida nada de se recompor.

Se não houvesse tamanho Silêncio, talvez tudo acabasse. Meninos jogando bola, uma batida de carro, as pessoas da casa fazendo estardalhaço... não há nada disso. O Silêncio isola, é hermético e egoísta. Gosta de seus prisioneiros, de suas reações quando não há nada para distraí-los. Ao contrário daquele que sonha, tudo deve ser bem nítido para ele. Talvez seja belo também; imagens únicas e desprovidas de qualquer sentido, ao menos para o espectador. O que as produz sofre, como se diz ser o natural dos artistas.

Campainha. Muitas e muitas vezes, parece que está ao seu lado. A cama é abandonada depois de um movimento brusco e os espectadores ficam sem ver nada, já que não há ninguém para sonhar navios. Bem como no sonho, o rosto é lavado, alguns tapas são desferidos contra a própria face, os pés tentam se plantar no chão. Campainha. Tão funda que não parece valer a pena. Tão funda que parece fazer parte do sonho.A porta se abre e você não vê a chave girando, nem como é a pessoa que insistiu em tocar e que parece ter confundido o apartamento e pede desculpas e pergunta onde fica o apartamento da Neide. Bem, é só falar um número que essa pessoa vai embora. A pessoa se mostra um tanto verborrágica e desagradável. É uma mulher, e sua voz parece ser um fluxo constante.

204, e basta de discursos. Ela agradece, se desculpa, repete e vai subindo o lance de escadas sem parar de falar. Os olhos não acompanharam o resto do corpo. Ainda se fecham e teimam em abrir, mostrando resquícios do que foi sonhado (se tratando de sonho, o que parece ser uma parte pode ser um todo), alguns feixes de luz, o caminho do quarto. Só às duas da manhã o corpo se rendeu, diz a Memória. Deite-se um pouco mais, dizem as pernas. E o coração faz algumas promessas de paz. Difícil acreditar em alguma coisa quando seu coração começa a fazer promessas, vai contra a natureza dele. É o orgão que da esperança, ou seja, aquele que espera. Mas nada disso importa, porque o corpo se arrasta novamente e tomba. Demasiadamente animal para alguém que tenta fugir de um mal tão humano. Fugir, por sua vez, é outra coisa própria dos animais, da presa que quer evitar o fim por qualquer razão besta. Humano seria saber que nada disso adianta.

204, aquela torrente de palavras, os pedaços de luz que entraram e criaram mais algumas sombras. De volta à prisão, não é isso? A percepção é infalível. Não há controle, mas há certeza de onde se está. Nada foi interrompido, na verdade. Nem por um breve momento. Despertador. Longe da cama, irritante demais, urgente. Sem atenção, você se levanta e seus olhos também o fazem com simetria. Desligar. Agora são as obrigações, os fatos, os horários, e isso explica porque o corpo só caiu às duas da manhã. É que o sonho, por vezes, fica mais perigoso que a realidade.

Idêntico.

Quem sou eu? Mas que pergunta mais babaca! Eu sou o mesmo que você é, um bosta de um humano. Não somos singulares, apenas inventamos as singularidades. A merda que eu fiz você também fez, talvez com um formato diferente, mas merda é merda, concorda? A poesia que eu escrevi é a sua vitória no campeonato de poquer, o tricô bem-sucedido, um ace num jogo de tênis, uma gozada depois de uma bela punheta. A faca que eu ergui para a minha mãe é a palavra cortante que você proferiu a um amigo, o olhar de desdém que você lançou para um pivete, a traição que você inflingiu à sua esposa.

Tudo a mesma merda, meus caros. A mesma falta de propósitos. Tudo o mesmo perfume também, o mesmo alívio momentâneo. Toda ação é copiada, toda a história da existência também é uma cópia. "Eu" não existe; sou um espelho que reflete você, também um espelho. Quem somos nós? A sucessão contínua do nada. A imagem repetida do que não tem imagem. A falta de forma, de propósito. Somos como os pequenos átomos que nos formam, mas com um disfarce crível de algo maior e mais importante. Nos recusamos a aceitar, mas nossos movimentos são como os deles, nosso comportamento e vida, no geral, também o são. Abominamos o pensamento de que não temos razão para ficar aqui, que somos a desordem em carne e osso, assim como ela é desordem também em outros corpos e estados. Somos obrigados pelo pensamento a nos ver diferentes da pedra, do corvo, do sangue, do resto. Somos obrigados a ser algo mais, nossas crenças fomentam esse dogma. Nos é vetado o direito de ser o que o resto é, eis a verdade. Nos é vetado ser o reflexo constante de imagem nenhuma.

Apesar disso, ainda somos tal coisa. O problema é que fugiremos para sempre disso, e por isso continuaremos nos perguntando sobre objetivos e o porque da existência. E se o coelho pudesse contestar sua condição de presa? Ainda assim seria coelho, fraco e pequeno. Ainda seria o que é. Somos o coelho, contestamos, mas não é possível sair do lugar. Seremos os reis do mundo que nós enxergamos sozinhos, governantes e governados de nós mesmos e do próximo, para todo o sempre. Já estão consolidados os painéis de desenhos mutantes que nos impedem, infelizmente, de sermos vazios. Nos tiram a calma, nos trazem a vida como ela é, longe do propósito inicial. Qual outro ser contesta sua existência? Nenhum. Apenas existem, ao contrário do homem, que se vê obrigado a encarar o tempo inteiro algo que ele não é, ou pelo menos não deveria ser: uma imagem onde deveria haver o nulo.

Enquanto a humanidade teimar em responder a pergunta "quem eu sou?", terei certeza absoluta que ainda será humanidade, um conceito artificial criado por auto-gênese, um simulacro de algo distinto do resto da existência. Já estamos cercados pelos nossos cárceres de ouro, contruídos e fortificados geração por geração, sistematicamente. Não vemos, porém, um cárcere: vemos apenas o ouro. O que salta aos olhos é o que brilha, não o que aprisiona. Não temos vontade de nos libertar porque não vemos do que devemos nos livrar. A condição de insatisfação consigo mesmo passou a ser nosso padrão, e a luta sem fim e sem sucesso pela satisfação é o ouro que vemos e buscamos, errôneamente. "Quem eu sou" não corresponde a nada disso. Isso que existe hoje não é ser, é estar. Estamos sendo ludibriados por aquilo que nos mais afasta da natureza e de tudo o que é primordial. Estamos sendo enganados pelas nossas mentes. Ela preenche o que deveria ser maleável, torna sólido o que deveria ser livre e transitório. Se querem acreditar em bençãos e maldições, não tenham dúvidas que a mente é a nossa sina, nosso repetitivo capataz a atormentar-nos com suas dúvidas e caprichos. Ela é a barreira que nos impede de responder com acuidade a pergunta que me levou a escrever isso. Para ser o que somos, enfim, nos afastamos de tudo mais que também é, há e existe, nos desfizemos de quaisquer similaridades com aquilo que nos originou.

Somos simplesmente vida, e para ser belo, não precisa ser mais que isso. Na verdade, não deve ser mais que isso, e eu tenho a nossa existência como prova.

Putrefação Interna - Um soneto gothiko.

Revirei todo o lixo da minha casa
E encontrei pedaços de pútrido atum.
Do frango, só restava a fétida asa,
De dentro de mim, saiu um nefasto pum.

Dos cantos mais desolados do intestino
Saíram as névoas fedidas e escuras,
Todas sem direção, todas sem destino,
Representando minhas amarguras.

Os que me cercavam bradavam em ira:
-Mas o que ingeriste para liberar tal mazela?
Teu corpo decomposto nos dá medo!

Para responder, fiz do traque uma lira:
-Ingeri lixo e fiz a coisa mais bela;
Um poema sobre o pum, o traque e o torpedo.

Jojó e Marieva.

Como o bom glutão que era, Jójó consumiu cada parte da sua parceira por inteiro: o mar, o chão, o céu e até mesmo suas poucas idéias imbecis. Não era apetite pelo outro; o aspecto magérrimo do rapaz tornava tal hipótese impossível. A bem verdade é que ele já havia achado o mar indigesto, o chão nauseante e o céu asqueroso. As idéias quase o fizeram vomitar, mas ele as encarou como uma porção de azeitonas: pequenas e ruins. Regurgitar seria uma reação exagerada e/ou pouco digna de sua obsessão; se havia chegado até ali, que digerisse tudo, não é isso?

Em casa, tiraram as roupas. Primeiro ela, depois ele. Decepção mútua, mas é claro que seria isso. Que linhas patéticas e mal-formadas os dois corpos exibiam! As expressões, então, eram ainda mais débeis! Na troca de olhares, havia a raiva dela e o ódio dele - e que ódio! Esperava ao menos uma mulher atraente, mas não! Tratava-se de uma carcaça à procura de um abutre. Fastiado pela visão, ele quase recusou o alimento, mas a glutonice era tanta que acabou por renegar seu julgamento e devorar o que restava dela.

Marieva - que até agora só tinha nome no título - observou o seu predador, agora combalido. Falou umas bobagens que o fizeram rir, a despeito do asco. Conversaram um pouco mais sobre qualquer coisa, mais alguns sorrisos, uma opinião saía da boca dela, ele escutava. Ele chegou a concordar uma vez ou outra, ela não quis lavar o cheiro do corpo. Ele não sentia mais a gana de consumir, ela já não parecia indigesta. Quer saber? Marieva nem era tão ruim.

A margem à margem.

Acho que é uma bailarina
Com seus saltos, flertes
E seu equilíbrio belo
Inquebrantável

Perto de montanhas e abismos
Ela dança e quase
Quase erra o passo e desliza
Mas o quase não basta
Acaba sorrindo levemente
A cada "ai" suspirado com temor

É bravura ou bravata, bailarina?
Qual deles pariu seus rodopios
Sua coreografia flamboiante?

De qual paixão se sutentam seus pés
Fincados em fina camada
De margens perigosas?

Talvez seja o prazer ímpar
De tocar sem ser tocada
Ó Dançarina de Beiradas
Enquanto não sei o porque
Ou o como de sua graça
Apenas aprecio o belo equilíbrio
Inquebrantável

Médici.

De fonte outrora seca sinto o brotar
De uma lágrima solitária e renitente
Deu-se a gênese no período militar
Quando Médici era o nosso regente

Inquiro-lhe pois, pai deste que está aqui:
Por que em uma hora surges e em outra somes?
A falta é grave mesmo que tenhamos O Guarani
Teu espelho sonoro cunhado por Carlos Gomes

Tua volta é o que faz com que eu nunca desista
Assim, espero dia apos dia por tal acontecimento
Atenda o apelo deste humilde saudosista
Ó líder esculpido em argamassa e cimento!

Volta, Emílio! O Brasil está enfermo!
Volta, viril avatar da esperança!
Empresta-nos de novo tua liderança
E faça o Brasil tão grande quanto teu governo!

Roteiro.

Podre. Um quarto podre, maculado por quaisquer tipos de líquidos ou dejetos que podem ou não existir. No teto, bonecos dependurados por fios invisíveis esbanjam largos sorrisos e gotejam sangue por seus poros. As paredes estão cobertas por gravuras barrocas. Há no chão um imenso espelho que reflete algo senão o que de fato se vê.

UM CENÁRIO ONÍRICO! - Eu berro.

De fato, era mesmo um cenário deveras onírico. Minha conclusão óbvia me encheu de soberba e pompa, e desfilei como se fosse um rei francês cheio de afetos e acostumado com mimos, portando meu cetro de papel e exibindo minha coroa de mágoas veladas.

Os bonecos deram um veredicto peremptório:
-Farsante!
Sentir-me-ia ofendido, mas meu circunlóquio me parecia por demais cativante para considerar a vã reclamação da turba supliciada na forca. Eu falava, falava e falava um pouco mais, e era alta a minha voz. Minha boca ficou morna e minha língua sentiu o gosto de leite. Era materno, e saía da generosa teta da presunção. Quedei em posição fetal e beijei meu próprio rosto no espelho. Ó, elogio a si mesmo! Ó, auge do homem-arte!

De um túnel familiar e barulhento, expeli adagas austeras. Dei a cada uma delas o nome Augusta e um número de diferenciação, pois não mereciam o mel do meu nome, visto que haviam me ferido, mas ainda assim, permaneciam austeras.

Quando gritei o nome da mulher amada, me vi em um ovo. Quais seriam as quentes nádegas a me esquentar?

Desenhos.

Cá estou eu com um punhado de folhas e uma caneta. Lá está minha cabeça com milhares de idéias vagas, batidas e deformadas. Minhas decepções todas, dançando e gritando para mim. Não me sinto muito mal, mas um leve incômodo se faz presente, assim como uma sensação de náusea que se dobra e torna-se um cativeiro.

Eu permaneço em pé e deixo meus olhos abertos. Nessa hora eu não sou míope, é o mundo que está embaçado demais. A dança permanece, mas agora é mais calma. A música insiste, porém fez-se mais branda. A nitidez aumenta, e a súbita mudança de ritmos faz crescer meu mal-estar.

Desenho com o dedo um pensamento bem visível; ele tem a forma exata e opaca que é típica das conclusões corriqueiras. Sinto-me desconfortável depois de ler a forma que pairava no ar. Ela garantia que a ação de ser não se relaciona com controle. A forma se esvaiu logo em seguida, mas deixou no ar uma cicatriz que lembrava sua Estrutura e seu Conteúdo. Voltei a erguer meu dedo e tentei desenhar uma pergunta, mas seu corpo era feio e confuso. O ar sentiu-se ferido e fugiu; era o fim da última distração do momento.

Fitei o que havia para se ver, mas meus olhos arderam por contemplar o movimento amorfo e meus ouvidos sangraram depois de escutar o som abissal. O sentido se afastava e voltava num compasso indiscernível. Eu procurava me concentrar e ler aquela nova figura, mas a interrogação parecia me surrar a cada tentativa.

Será que sou eu quem é?

Era isso o que o esboço dizia. Não soube respondê-la e nem poderia; suas linhas eram semelhantes àquelas dos sonhos, e é tolice tentar decifrar aquilo que não nos pertence.

Tornei-me cativo novamente, apesar da prisão ter durado tão pouco. Eram instantes longos de pergaminhos cheios de tudo e nada, tochas com o peso insuportável das palavras e berros roucos e pontiagudos.

Será que quem é sou eu?

Depois dessa hora em forma de frase, muitas das coisas sumiram. O ar voltou e deitou-se com a pergunta depois de cantar suas saudades por ela. Sentei-me e olhei para os dois, enquanto eles só viam a si mesmos.

Sussurrei outra pergunta: Se eles olham para dentro, sabem o que ou quem é? A questão tornou-se um frio leito de aço. Repousei minha carcaça fatigada, mas não consegui adormecer. Fechei meus olhos. Será que cabe a mim o adormecer?

Abro meus olhos e me vejo sozinho, e sinto o frio da ausência. À minha frente há garrafas, discos de vinil, chão, parede, mesa. Suas formas são fixas, suas vozes nem ao menos existem. Me aborreço com o que é parvo e lanço um olhar de desprezo. O olhar me atinge. Foi então que enxerguei o verdadeiro reflexo da minha imagem. Chorei sem perceber, pois era sutil o pranto. Tentei em vão enxugar as lágrimas; eu já havia adormecido.

Da Existência das Rolas Moles.

Perfeição, meus anjos. Absoluta e inconteste perfeição de maleabilidade estarrecedora e estética imaculada. Absoluta assepsia, o não contato com o outro. Um retrato flácido e desafiador, ofensivo para alguns, confortabilíssimo para outros. A preguiça, o substantivo que é, em sexo, abstrato. Para que construir colunas, trampolins, andaimes, pontes ou escorregadores? O cimento de tais agressões arquitetônicas se desgasta com a repetição e com a interação com o outro, enquanto o elástico se torce de acordo com cada força que tenta lhe obliterar. A cabeça que aparenta estar erguida e atenta é, em verdade, um poço de obediência muda. A que parece estar apática e retraída, por sua vez, grita pela chance da ausência das obviedades e da possibilidade de opções. Assim era Ghandi e assim é a Glande, ao menos quando ela não está em seu falso estado de glória.

É comum denegrir o que ostenta tal estado, e julgar-me-ão, de certo, por minha escolha pelo verbo ostentar. “Como se ostenta a vergonha, ó tolo e preguiçoso? Explica por que se orgulhar de um rascunho, se a obra completa se faz tão bela?”, perguntam alguns. Minha resposta é simples e clara; aquele que reverencia a obra deve venerar a matéria-prima, pois é ela que é a perscrutadora das chances e das formas fugazes. Quisesse eu me tornar mais loquaz – e acredito que devo fazê-lo – diria que a obra admirada é fruto de sangue e de esforço por demais custosos ao que porta o falo, sendo vário o fruto de uma tarefa constantemente árdua e efêmera. A subjetividade da escolha do outro pode por abaixo um sacrifício tão certo. Ademais, a dureza da construção não passa de um truque ilusório, visto que ela se desfaz depois do uso. Caso o operário falhe em sua lida, o deboche é sua recompensa certa, sendo o motivo para tal algo que ele meramente empresta para o outro. Numa metonímia vil, o todo do Ser é infamado pela suposta tentativa frustrada de uma manifestação de parte de si mesmo, tendo os caprichos de uma voz exterior como a déspota juíza. Percebam, ó ovelhas e bois, o malefício da ereção.

Pela imponência fanfarrona, alguns assumem como “real” a condição do pênis ereto, enquanto o repouso é apenas uma versão quase inútil e passageira que nada tem a oferecer. É uma visão equivocada; o repouso é pleno, múltiplo e quase perpétuo, e a dureza é a aflição, a contaminação, a serventia a tudo que é perene e nocivo. Para muitos pode parecer uma bravata, mas para mim é apenas natural declarar que o sexo do macho deve quedar em constante dormência para atingir seu potencial máximo, seja ele estético ou funcional. É aí que reside a naturalidade e a limpeza! A beleza do estado primordial livre de obrigações e pesos, que se move em harmonia com o resto do corpo. O farfalhar das folhas de árvores lembra o movimento tão puro e solto daquele que se permite vivenciar o ócio. Sentem as folhas algum tipo de vergonha? Por Deus, não! O arcaico reinado da Rola Dura há de cair assim como o tronco mais poderoso cai, mas as folhas não irão tombar. Não! Elas irão dançar com o vento e assobiar suas melodias de liberdade! A cada amarra caída, uma falsa raiz de obrigação pecaminosa e abjeta há de ser arrancada abruptamente, e a nudez relaxada poderá ser contemplada e digna de merecido respeito! Lo! Sou Lucas Terra, e hei de hastear minha bandeira com um mastro metafórico!

O Interminável Pagode de Alcebíades.

Vinte e seis dias com a mesma roupa de baixo. Suor. Feridas. Restos de si espalhados. Batidas Cálidas. Um rascunho de consciência. O escarlate e o negro. O cheiro insuportável, contudo, irresistível. O torpor se fez atmosfera, e nela dançava Alcebíades, com sua cueca imunda e infestada por insetos e fungos. Pagodeava sozinho, embalado pelo rítmo que apenas sua cabeça sabia ouvir, berrava impropérios e se cobria com a própria saliva. De tempos em tempos, emprestava os lábios à uma de suas musas etéreas, medusas acometidas por disfunções intestinais. Ele delirava.

Do lado de fora da cela, os transeuntes riam-se do espetáculo ridículo. No mundo pós-apocalíptico, loucos eram uma atração para aqueles que se transvestiam com o manto da sanidade. Eram caçados por juízes do bom senso e aprisionados em jaulas metafóricas. Depois de capturados, eles eram condicionados a se limitar a um espaço específico, assim como cães que não ousam entrar na cozinha por medo de levar uma sova de seus donos. O único entretenimento que restou para a humanidade foi gargalhar às custas do seu lado sombrio e renegado. Cada risada era carregada de uma espécie de angústia irônica; o palhaço não passava de um reflexo do espectador e o motivo do riso não era outro senão a fragilidade inerente ao homem.

Alcebíades, alheio à toda essa refinada lógica, seguia seu pagode sem fim ou sentido. A ele, só importavam as fezes, as carnes, as cusparadas, o calor, a batida e a sujeira. Em seu rosto transtornado, havia um esboço de sorriso; eram as caras esticadas e cheias de presas que sempre estavam sempre a lhe observar, levando-o a uma tentativa de imitação frustrada, porém divertida. Como ele se embriagava com aquela platéia! Enquanto improvisava um batuque em seu peito, vomitava as palavras que ele mesmo criara, dizendo sempre que os dentuços não sabiam dançar.

Passaram-se mais cinco dias. Outro detento, com um nome engraçado e cuecas ainda limpas, ocupou o reino selvagem de seu predecessor. Inalou o ar profundamente e tornou-se um demente. Era outro? Talvez, mas a platéia ainda era a mesma.