sábado, 3 de maio de 2008

O Interminável Pagode de Alcebíades.

Vinte e seis dias com a mesma roupa de baixo. Suor. Feridas. Restos de si espalhados. Batidas Cálidas. Um rascunho de consciência. O escarlate e o negro. O cheiro insuportável, contudo, irresistível. O torpor se fez atmosfera, e nela dançava Alcebíades, com sua cueca imunda e infestada por insetos e fungos. Pagodeava sozinho, embalado pelo rítmo que apenas sua cabeça sabia ouvir, berrava impropérios e se cobria com a própria saliva. De tempos em tempos, emprestava os lábios à uma de suas musas etéreas, medusas acometidas por disfunções intestinais. Ele delirava.

Do lado de fora da cela, os transeuntes riam-se do espetáculo ridículo. No mundo pós-apocalíptico, loucos eram uma atração para aqueles que se transvestiam com o manto da sanidade. Eram caçados por juízes do bom senso e aprisionados em jaulas metafóricas. Depois de capturados, eles eram condicionados a se limitar a um espaço específico, assim como cães que não ousam entrar na cozinha por medo de levar uma sova de seus donos. O único entretenimento que restou para a humanidade foi gargalhar às custas do seu lado sombrio e renegado. Cada risada era carregada de uma espécie de angústia irônica; o palhaço não passava de um reflexo do espectador e o motivo do riso não era outro senão a fragilidade inerente ao homem.

Alcebíades, alheio à toda essa refinada lógica, seguia seu pagode sem fim ou sentido. A ele, só importavam as fezes, as carnes, as cusparadas, o calor, a batida e a sujeira. Em seu rosto transtornado, havia um esboço de sorriso; eram as caras esticadas e cheias de presas que sempre estavam sempre a lhe observar, levando-o a uma tentativa de imitação frustrada, porém divertida. Como ele se embriagava com aquela platéia! Enquanto improvisava um batuque em seu peito, vomitava as palavras que ele mesmo criara, dizendo sempre que os dentuços não sabiam dançar.

Passaram-se mais cinco dias. Outro detento, com um nome engraçado e cuecas ainda limpas, ocupou o reino selvagem de seu predecessor. Inalou o ar profundamente e tornou-se um demente. Era outro? Talvez, mas a platéia ainda era a mesma.

Um comentário:

Damasceno disse...

Boa terra! agora divulga essa joça.