terça-feira, 20 de outubro de 2009

Esforço mínimo.

A língua, lenta demais, parecia não querer lamber aquela ferida. Sua morosidade estava a par com a que o resto do corpo experimentava, além do asco que ele - o corpo, eu digo - sentia por si próprio. Mais que isso, na verdade; se exteorizava, deixava de pertencer a si e via o ridículo de cuidar da ferida do outro, amainar aquela aflição vã que nem ao menos podia sentir, tampouco trazia prazer ao ser aliviada.

Finda a tarefa, virou-se para o lado e não suspirou - apesar de ter pensado em suspirar. Escutou aquela outra voz - a que havia além de si, mas ainda parecia ser sua. Ela agradecia incessantemente, proferindo tolices sem fim. E ele, ouvindo, desejava a cada segundo tornar-se surdo para não ter mais o trabalho de ser ouvido. Pensando, percebeu que sentia preguiça de saber da sua própria preguiça e desejou nunca ter vindo ao mundo.

Enquanto se recolhia numa posição fetal, teve um último relance daquela visagem risonha, pegajosa, barulhenta, curiosa, viva. Deixou de existir com extremo desinteresse, com as mãos parando de escrever.

quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Descarga.

Minha verborragia
Despejada no seu rosto
De porcelana

segunda-feira, 29 de junho de 2009

Piscina de bolinhas.

A reflexão faz-se necessária; em primeiro lugar, seria ela feita por alguns homens com sacos escrotais titânicos ou por alguns menores, removidos cirurgicamente e em grande quantidade? Em seguida, vem a questão dos pêlos; ausentes, aparados ou abundantes? Qual das opções teria mais eficácia funcional? Como se não bastassem as complicações, ainda surge a dúvida do cheiro, que pode ser natural ou perfumado (das duas maneiras distintas). Por fim, despontam as perguntas acerca do formato, da textura e da cor. Mais enrugados, mais lisos? Testículos simétricos ou assimétricos? Hispânicos, nipônicos, caucasianos, ou negros? Seria positivo misturar as opções ou optar pela tradicional escolha padronizada em cada quesito?

Sim, sei bem como é. Sinto-me sobrepujado - assim como você deve se sentir - com a gama quase infinita de opções, com cada escolha pesando como o mundo nos ombros de Atlas. Por isso meu receio em admitir que eu escolheria sacos escrotais gigantes de cores variadas, textura predominantemente lisa, testículos assimétricos, depilados e borrifados com o último eau de toilette da Hugo Boss, conferindo um odor decidido, porém suave e discreto.

A piscina teria cinco metros de profundidade. Os rapazes ficariam sentados na borda, em círculo, trajando blazers italianos e deixando seus sinos pendularem. Seriam poucos deles, para que houvesse espaço o bastante para uma saudável colisão entre os orgãos, facilitada pelo movimento do banhista. O ideal seria uma força de impacto que pudesse causar traumas leves e eventuais desmaios, conferindo uma dose extra de adrenalina à experiência. A saída envolveria um escalada deveras desafiadora e recompensante pelos montes volúveis até o braço de um dos moços, que ajudaria o banhista com um impulso final para deixar a piscina.

Claro, não declaro minha escolha como absoluta. É apenas meu setup pessoal, baseado em vários momentos de pensamento reflexivo. Quisera eu ter recursos para experimentar ao invés de apenas teorizar! Assim seria possível realizar a parte empírica, enriquecer as hipóteses e levantar novas questões, tornando este delicado estudo ainda mais complexo e completo. Visto que trata-se apenas de uma utopia minha, rogo-lhe que faça sua própria análise e compartilhe suas conclusões, bem como todo o processo de elucubração que vem antes, justamente com o intuito de enriquecer o conhecimento dos entusiastas da piscina de bolinhas.


Carinhosamente,

Homossexual do Banheiro.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

A boa classe.

Palmas e comemorações - oferece um terceiro para um primeiro sem sorriso e menos favorecido, encarcerado em gestos por falta de palavras. A nota, a despeito da ovação, foi alarmantemente baixa, mas é assim mesmo que se compõe uma boa classe.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Flauta doce.

Um suspiro transformado em nota; o som é por vezes triste, talvez idílico, mas sempre infantil, difícil de ser levado a sério. O bom flautista deve guardar em si uma porção significativa da sua infância para que as músicas permaneçam fiéis ao espírito pueril do instrumento. Ele deve cuidar dessa parcela do eu com uma certa frequência, alimentando-a com incertezas, paixões distantes e surtos de criatividade que nunca serão lapidados.

Talvez a maior exigência da flauta seja uma sensação de permanente deslocamento e solidão por parte do seu dono. É possível que ele nunca toque com amigos em qualquer tipo de conjunto, que sua arte nunca seja apreciada e que ele seja encarado como um bobo que nunca quis aprender um instrumento musical decente. Mesmo depois de ser colocada em segundo plano, a flauta ainda exigirá tudo isso para soar verdadeira.

Quase um estigma, então. Uma marca interna, um pacto entre... entre duas crianças, a bem dizer. Como ser completamente adulto quando você insiste em tocar algo chamado flauta doce? Impossível. Da mesma maneira que é impossível para o flautista se sentir totalmente sozinho ou deslocado caso ele seja acometido por uma incerteza, uma paixão distante ou um surto de criatividade inocente; ele sempre terá sua lúdica companheira para cantar suas infantilidades.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Deus.

Dê-me licença. Pretendo usar meu livre-arbítrio para deixar minha vida aos cuidados do Outro. Aquele que é distante, que só escuta sussurros enigmáticos, que tudo tem e tudo pode e que me agraciou com a própria benção que estou prestes a renunciar. Aquele que é obrigado a aceitar minha decisão abnegada e imbecil de devolver o que tenho de mais precioso, de jogar de volta a responsabilidade e o direito que eu deveria ter, ou talvez não deveria. Nunca se sabe.

O caso é que, gostando ou não, estou me oferecendo como seu instrumento. Use-me em quaisquer tarefas que possam fazer parte do seu louco plano de melhorar aquilo que você queria que nós transformássemos sozinhos. Quero deixar de ser um pedreiro para virar uma ferramenta nas Suas divinas, suadas, sangrentas e peludas mãos, mas veja se toma cuidado para não me sujar no processo, certo? Quero deixar de ser uma canção para me tornar um eco da sua voz grossa e imponente. Ecoando com os outros irmãos, é certo que conseguiremos ser ouvidos. No pior cenário, vamos abafar o som de alguém que ainda queira cantar.

Como recompensa pelo meu altruísmo, peço apenas que opere uma cura em mim. Ainda não achei a minha doença; não há médico ou terapeuta que consiga me diagnosticar ou tratar e todos dizem que estou bem, mas é mentira. É mentira! Eu estou doente sim. Deve ser a gula, a luxúria, a ira ou uma das outras coisas que Você me permitiu praticar em primeiro lugar. Bem, seja qual for o caso, rogo que não demore para salvar minha alma pecadora que só fez seguir os seus desígnios.

Amém.

sábado, 14 de março de 2009

Meio.

Feio, tédio
Fraco, médio
Rasteiro, nédio

Sozinho, arde
Domingo, tarde
Silêncio, alarde

Calado
Errado
Pequeno

Gemido
Esquecido
Sereno