sábado, 3 de maio de 2008

Desenhos.

Cá estou eu com um punhado de folhas e uma caneta. Lá está minha cabeça com milhares de idéias vagas, batidas e deformadas. Minhas decepções todas, dançando e gritando para mim. Não me sinto muito mal, mas um leve incômodo se faz presente, assim como uma sensação de náusea que se dobra e torna-se um cativeiro.

Eu permaneço em pé e deixo meus olhos abertos. Nessa hora eu não sou míope, é o mundo que está embaçado demais. A dança permanece, mas agora é mais calma. A música insiste, porém fez-se mais branda. A nitidez aumenta, e a súbita mudança de ritmos faz crescer meu mal-estar.

Desenho com o dedo um pensamento bem visível; ele tem a forma exata e opaca que é típica das conclusões corriqueiras. Sinto-me desconfortável depois de ler a forma que pairava no ar. Ela garantia que a ação de ser não se relaciona com controle. A forma se esvaiu logo em seguida, mas deixou no ar uma cicatriz que lembrava sua Estrutura e seu Conteúdo. Voltei a erguer meu dedo e tentei desenhar uma pergunta, mas seu corpo era feio e confuso. O ar sentiu-se ferido e fugiu; era o fim da última distração do momento.

Fitei o que havia para se ver, mas meus olhos arderam por contemplar o movimento amorfo e meus ouvidos sangraram depois de escutar o som abissal. O sentido se afastava e voltava num compasso indiscernível. Eu procurava me concentrar e ler aquela nova figura, mas a interrogação parecia me surrar a cada tentativa.

Será que sou eu quem é?

Era isso o que o esboço dizia. Não soube respondê-la e nem poderia; suas linhas eram semelhantes àquelas dos sonhos, e é tolice tentar decifrar aquilo que não nos pertence.

Tornei-me cativo novamente, apesar da prisão ter durado tão pouco. Eram instantes longos de pergaminhos cheios de tudo e nada, tochas com o peso insuportável das palavras e berros roucos e pontiagudos.

Será que quem é sou eu?

Depois dessa hora em forma de frase, muitas das coisas sumiram. O ar voltou e deitou-se com a pergunta depois de cantar suas saudades por ela. Sentei-me e olhei para os dois, enquanto eles só viam a si mesmos.

Sussurrei outra pergunta: Se eles olham para dentro, sabem o que ou quem é? A questão tornou-se um frio leito de aço. Repousei minha carcaça fatigada, mas não consegui adormecer. Fechei meus olhos. Será que cabe a mim o adormecer?

Abro meus olhos e me vejo sozinho, e sinto o frio da ausência. À minha frente há garrafas, discos de vinil, chão, parede, mesa. Suas formas são fixas, suas vozes nem ao menos existem. Me aborreço com o que é parvo e lanço um olhar de desprezo. O olhar me atinge. Foi então que enxerguei o verdadeiro reflexo da minha imagem. Chorei sem perceber, pois era sutil o pranto. Tentei em vão enxugar as lágrimas; eu já havia adormecido.

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