sábado, 3 de maio de 2008

imsl.

Uma noite ruim ou outra. Sonos perdidos, sonhos perdidos. Aquele desespero que fere durante o crepúsculo e foge quando vem a alvorada. Uma culpa que, em primeira análise, não deveria ser sua, não, não pode ser. E o não é repetido até que o suadouro, a aflição e a angústia venham e tomem seu valor, sua verdade.

Recomponha-se. De pé. Lave o rosto, dê alguns tapas na cara se preciso for. O sono ainda se perde em você. Mal dá pra perceber, mas o olho direito se abre - o esquerdo está preso ao travesseiro e a outras visões - e enxerga um quê de real. O móvel com livros espalhados, o chão, a luz se fecha novamente. Agora são as cores as palavras a ferida nada de se recompor.

Se não houvesse tamanho Silêncio, talvez tudo acabasse. Meninos jogando bola, uma batida de carro, as pessoas da casa fazendo estardalhaço... não há nada disso. O Silêncio isola, é hermético e egoísta. Gosta de seus prisioneiros, de suas reações quando não há nada para distraí-los. Ao contrário daquele que sonha, tudo deve ser bem nítido para ele. Talvez seja belo também; imagens únicas e desprovidas de qualquer sentido, ao menos para o espectador. O que as produz sofre, como se diz ser o natural dos artistas.

Campainha. Muitas e muitas vezes, parece que está ao seu lado. A cama é abandonada depois de um movimento brusco e os espectadores ficam sem ver nada, já que não há ninguém para sonhar navios. Bem como no sonho, o rosto é lavado, alguns tapas são desferidos contra a própria face, os pés tentam se plantar no chão. Campainha. Tão funda que não parece valer a pena. Tão funda que parece fazer parte do sonho.A porta se abre e você não vê a chave girando, nem como é a pessoa que insistiu em tocar e que parece ter confundido o apartamento e pede desculpas e pergunta onde fica o apartamento da Neide. Bem, é só falar um número que essa pessoa vai embora. A pessoa se mostra um tanto verborrágica e desagradável. É uma mulher, e sua voz parece ser um fluxo constante.

204, e basta de discursos. Ela agradece, se desculpa, repete e vai subindo o lance de escadas sem parar de falar. Os olhos não acompanharam o resto do corpo. Ainda se fecham e teimam em abrir, mostrando resquícios do que foi sonhado (se tratando de sonho, o que parece ser uma parte pode ser um todo), alguns feixes de luz, o caminho do quarto. Só às duas da manhã o corpo se rendeu, diz a Memória. Deite-se um pouco mais, dizem as pernas. E o coração faz algumas promessas de paz. Difícil acreditar em alguma coisa quando seu coração começa a fazer promessas, vai contra a natureza dele. É o orgão que da esperança, ou seja, aquele que espera. Mas nada disso importa, porque o corpo se arrasta novamente e tomba. Demasiadamente animal para alguém que tenta fugir de um mal tão humano. Fugir, por sua vez, é outra coisa própria dos animais, da presa que quer evitar o fim por qualquer razão besta. Humano seria saber que nada disso adianta.

204, aquela torrente de palavras, os pedaços de luz que entraram e criaram mais algumas sombras. De volta à prisão, não é isso? A percepção é infalível. Não há controle, mas há certeza de onde se está. Nada foi interrompido, na verdade. Nem por um breve momento. Despertador. Longe da cama, irritante demais, urgente. Sem atenção, você se levanta e seus olhos também o fazem com simetria. Desligar. Agora são as obrigações, os fatos, os horários, e isso explica porque o corpo só caiu às duas da manhã. É que o sonho, por vezes, fica mais perigoso que a realidade.

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